sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Regresso às aulas...

Neste início de um novo ano letivo, nada melhor do que começar por refletir...

  PORQUE É EU QUE TENHO DE IR À ESCOLA?


Perguntou a minha sobrinha, agora que o 1.º ano se aproxima e, de repente, a angústia nos seus grandes olhos negros era a minha, a nossa angústia nos nossos grandes olhos negros, dias antes e muitos anos atrás, antes do nosso primeiro dia de aulas. 

Porque é que eu tenho de ir à escola? A resposta é impossível para quem ainda tem seis anos. Tão impossível como o porquê de termos de aprender matemática. Não, o porquê da matemática é ainda mais impossível, só lá cheguei depois de fazer 30 anos. 
Porque é que tens de ir à escola? Para fazer amigos, comecemos pelo mais fácil, pelas coisas boas, para brincar e correr, jogar e saltar, mas também partilhar e ajudar que a amizade não é só brincadeira, é também estar para os outros. 


Vais para a escola para crescer, para conheceres alunos e professores de outras origens, de outras terras e outros países, com modos de pensar e agir diferentes dos teus, mas concordantes, porque no princípio e no fim somos todos iguais.

Entretanto, é preciso ler e escrever, aprender a contar, tomar o gosto aos livros e esquecer o telemóvel, o telemóvel não, desculpa, o “kudu”, como lhe chamas desde sempre, mesmo se o sempre não é assim há tanto tempo.

E aprender a viajar entre o português, as ciências, a geografia, o desporto, a arte, a música e descobrir um mundo belo e cheio de cor, um mundo ainda a tempo de ser salvo e onde podes ter um futuro.

Um futuro pelo qual vais ter de lutar. E para lutar precisas, primeiro de tudo, de conhecimento. Por isso é que tens de ir à escola. Para aprender como se ganha uma bandeira e a liberdade é vermelha, sim, como o Benfica, isso já sabes, mas é preciso mais, é preciso aprender sobre Abril e saber de cor os nomes de quantos morreram para que hoje possas ir à escola — e o porquê de antes não ser assim.

Porque não podemos voltar a assinar de cruz e tu não podes crescer a assinar de cruz e a aceitar tudo o que te dizem como verdadeiro. É premente questionar, discutir, debater, aprender a ouvir os outros pontos de vista e saber colocar a nossa voz para poder exprimir os nossos pontos de vista. E dialogar, negociar, chegar a consensos em nome da paz, não queiras viver uma guerra, é da guerra que vem o verbo lutar e para lutar já nos bastam os dias.

Vais à escola para aprenderes mais sobre ti, não necessariamente sobre o que gostarias de ser, mas sim sobre o que gostarias de fazer. E no que nós gostamos de fazer reside o cerne da felicidade.

Vais à escola para aprender a ser feliz, mais feliz ao longo da vida, esta vida, a tua única vida. Que valha a pena. E vais à escola para perder, para fazer cedências, para poderes cair enquanto há uma rede. Daqui a alguns anos alguém virá para te tirar a rede: tu própria, pronta para te desafiares no mundo dos crescidos.

Quando esse dia chegar já seremos velhinhos, ou para lá caminharemos. Mas ainda lá estaremos, a outra rede, aquela que nunca viste por debaixo da tua, a rede pronta para te segurar sempre que for preciso.

Até lá, vive a escola, os amigos, o primeiro beijo, as férias, o Verão, os novos cadernos, os professores, o recreio, as visitas de estudo, as viagens, a escola tão curta, são só 12 anos, vive-os intensamente, não voltam atrás, não se repetem, passam num instante, como os nossos e, no entanto, ficam para sempre.

Autor: José André Costa, in Público, 11 de setembro de 2019

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