PORQUE É EU QUE TENHO DE IR À ESCOLA?
Perguntou
a minha sobrinha, agora que o 1.º ano se aproxima e, de repente, a angústia nos
seus grandes olhos negros era a minha, a nossa angústia nos nossos grandes
olhos negros, dias antes e muitos anos atrás, antes do nosso primeiro dia de
aulas.
Porque
é que eu tenho de ir à escola? A resposta é impossível para quem ainda tem seis
anos. Tão impossível como o porquê de termos de aprender matemática. Não, o
porquê da matemática é ainda mais impossível, só lá cheguei depois de fazer 30
anos.
Porque é que tens de ir à escola?
Para fazer amigos, comecemos pelo mais fácil, pelas coisas boas, para brincar e
correr, jogar e saltar, mas também partilhar e ajudar que a amizade não é só
brincadeira, é também estar para os outros.
Vais para a escola para crescer,
para conheceres alunos e professores de outras origens, de outras terras e
outros países, com modos de pensar e agir diferentes dos teus, mas
concordantes, porque no princípio e no fim somos todos iguais.
Entretanto, é preciso ler e
escrever, aprender a contar, tomar o gosto aos livros e esquecer o telemóvel, o
telemóvel não, desculpa, o “kudu”, como lhe chamas desde sempre, mesmo se o
sempre não é assim há tanto tempo.
E aprender a viajar entre o
português, as ciências, a geografia, o desporto, a arte, a música e descobrir
um mundo belo e cheio de cor, um mundo ainda a tempo de ser salvo e onde podes
ter um futuro.
Um
futuro pelo qual vais ter de lutar. E para lutar precisas, primeiro de tudo, de
conhecimento. Por isso é que tens de ir à escola. Para aprender como se ganha
uma bandeira e a liberdade é vermelha, sim, como o Benfica, isso já sabes, mas
é preciso mais, é preciso aprender sobre Abril e saber de cor os nomes de
quantos morreram para que hoje possas ir à escola — e o porquê de antes não ser
assim.
Porque
não podemos voltar a assinar de cruz e tu não podes crescer a assinar de cruz e
a aceitar tudo o que te dizem como verdadeiro. É premente questionar, discutir,
debater, aprender a ouvir os outros pontos de vista e saber colocar a nossa voz
para poder exprimir os nossos pontos de vista. E dialogar, negociar, chegar a
consensos em nome da paz, não queiras viver uma guerra, é da guerra que vem o
verbo lutar e para lutar já nos bastam os dias.
Vais à escola para aprenderes mais
sobre ti, não necessariamente sobre o que gostarias de ser, mas sim sobre o que
gostarias de fazer. E no que nós gostamos de fazer reside o cerne da
felicidade.
Vais à escola para aprender a ser
feliz, mais feliz ao longo da vida, esta vida, a tua única vida. Que valha a
pena. E vais à escola para perder, para fazer cedências, para poderes cair
enquanto há uma rede. Daqui a alguns anos alguém virá para te tirar a rede: tu
própria, pronta para te desafiares no mundo dos crescidos.
Quando
esse dia chegar já seremos velhinhos, ou para lá caminharemos. Mas ainda lá
estaremos, a outra rede, aquela que nunca viste por debaixo da tua, a rede
pronta para te segurar sempre que for preciso.
Até
lá, vive a escola, os amigos, o primeiro beijo, as férias, o Verão, os novos
cadernos, os professores, o recreio, as visitas de estudo, as viagens, a escola
tão curta, são só 12 anos, vive-os intensamente, não voltam atrás, não se repetem,
passam num instante, como os nossos e, no entanto, ficam para sempre.
Autor: José André Costa,
in Público, 11 de setembro de 2019